Jornais do mundo inteiro, praticamente sem exceção, sofrem com a migração do papel para o digital. Perdem receitas e, muitas vezes, perdem também leitores e relevância política e social. Um deles, no entanto, tem conseguido criar novos paradigmas e colocar-se de maneira proativa diante do cenário digital. Nos últimos anos, o New York Times conseguiu se tornar referência com um novo estilo de reportagens multimídia.
Paralelamente a seus esforços de gerar receitas com o digital, o New York Times investe pesadamente em vídeo (incluindo projetos 360º), em infográficos dinâmicos e, principalmente, na criação de novos formatos adequados à transposição das grandes reportagens para o mundo on-line – afinal, é essa a especialidade da casa. Além disso, produziu recentemente (2014 e 2017) dois documentos-chave do novo jornalismo, deixando claras suas posições – e também suas dúvidas e fraquezas – diante da nova comunicação.
Como o New York Times encara o digital
O problema para o NYT não se resume ao modelo de negócios. Se apresenta também em outras esferas.
Tão ou mais preocupante que a questão financeira é a alteração dos hábitos de consumo de informação e na crescente importância do conteúdo gerado pelos próprios internautas. Concorrentes novos e antigos vão fisgando parcelas maiores do interesse do internauta ao propor diferentes formas de acesso ao conteúdo. E as redes sociais rivalizam com a home page dos jornais on-line como meio de captura da audiência.
Em paralelo, outra revolução acontece dentro da revolução digital. Desde 2014, a maior parte dos acessos aos sites noticiosos norte-americanos já se dá por meio de dispositivos móveis — telefones celulares e tablets.
Para completar o cenário de mudanças, há um grande número de inovações acontecendo na arte de contar histórias. Equacionar o trinômio negócios-público-narrativas é a tarefa que se estabelece para a empresa.
Um exemplo concreto dessa preocupação é a reportagem especial “Snow Fall: The Avalanche at Tunnel Creek”, amplamente premiada e copiada pelo mundo todo — inclusive no Brasil.
“Snow Fall”: um trabalho que criou um gênero
Em 20 de dezembro de 2012, o NYT publica na internet “Snow Fall: The Avalanche at Tunnel Creek”, a respeito de uma avalanche ocorrida no estado de Washington em fevereiro daquele ano. Como é hábito nas reportagens especiais produzidas pelo órgão em qualquer plataforma, trata-se de um grande esforço de reportagem. Durante seis meses, foram ouvidos todos os sobreviventes, familiares dos mortos, especialistas e integrantes das equipes de resgate.
A diferença é que, além do texto com o estilo característico do New York Times, “Snow Fall” reunia também uma série de inovações na forma de apresentar a história ao público. Um misto de longos textos, vídeos, áudios e efeitos de animação até então inéditos.
Boa parte da surpresa da interface era devida ao uso de um recurso conhecido no mundo da criação de jogos eletrônicos e internet como rolagem parallax, ou parallax scrolling. Em “Snow Fall”, a rolagem parallax é usada na sequência inicial e também em outros momentos, para vídeos a animações. Trata-se também de uma inovação em relação à prática corrente dos sites jornalísticos à época.
“Snow Fall” recebeu diversos prêmios — entre eles o Pulitzer Prize de 2013 na categoria Feature Writing e o Peabody Award 2012. Passou a ser uma referência para diversas publicações e para outras reportagens do próprio NYT, como “The Jockey” (Bearak, 2013).
Boa parte dos recursos visuais e narrativos inovadores apresentados por “Snow Fall” é hoje amplamente utilizada em outros sites jornalísticos e mesmo em páginas web publicitárias e institucionais.
É difícil precisar em que medida isso se deve à influência de “Snow Fall” ou se o fenômeno está relacionado ao próprio avanço da tecnologia, em especial do padrão HTML5. A rolagem parallax, por exemplo, tem como base essa linguagem e já vinha sendo usada antes em outros sites jornalísticos, como o da BBC.
No Brasil, o impacto mais visível do modelo se fez sentir cerca de um ano depois, com a publicação de “Tudo Sobre a Batalha de Belo Monte” no site da Folha de S.Paulo, que traz praticamente todos os elementos de “Snow Fall”. Na mesma linha vai, também, a série semanal Tab, do UOL, esta com menos textos e mais anúncios.
Bem além do “Snow Fall” e seus congêneres, o NYT tem feito esforços crescentes em novas narrativas.
As movimentações são várias. Mas se a velocidade e a intensidade delas são suficientes para garantir ao NYT o protagonismo no fornecimento de informação de qualidade nas próximas décadas, é algo que ainda é cedo para dizer. Afinal, são tempos de avalanche e tempestade no mundo da comunicação.