Um dos personagens mais influentes da história do cinema, o cineasta russo Sergei Eisenstein, procurou no estudo dos ideogramas japoneses uma relação estrutural com a arte cinematográfica, percebendo no conceito de montagem traços muito próximos aos da escrita nipônica. Hoje, quase cem anos depois dessas análises, as referências à cultura oriental, que transformaram a cinematografa nos anos 20, seguem influenciando artistas e transformando a articulação dos discursos narrativos e audiovisuais. O webdocumentário Soul Patron, do jovem diretor alemão Frederik Rieckher, mostra como essa relação ainda pode ser refletida em uma nova e criativa perspectiva narrativa.
Soul Patron é um documentário interativo sobre Mizuko Jizo e o Japão. Mizuko Jizo é uma divindade budista, guardião das crianças, sobretudo aquelas que faleceram prematuramente, antes de seus pais. Na mitologia, essas crianças não podem alcançar o caminho para a vida eterna e Jizo salva suas almas protegendo-as de demônios. O webdocumentário, contudo, não tem como foco essa questão, mas uma viagem intima pela atmosfera do país, por sua religião, cultura e sociedade. Para construir esse trajeto, é notável a influencia de conceitos e percepções da cultura oriental, identificados aqui com os traços imagéticos do projeto, possuindo uma afinidade muito grande com a analogia desenvolvida por Eisenstein.
Eisenstein afirmava que a construção de sentido pela montagem, analogamente à constituição figurativa dos ideogramas japoneses, não era o resultado da soma de dois planos, mas um produto, um valor com outra dimensão. O que ele afirmava, em seu famoso conceito de montagem intelectual, é que, mesmo que cada plano corresponda a um objeto ou a um fato, sua combinação remete a um conceito novo, obtido pelas duas representações. Como exemplo o cineasta citava as combinações dos ideogramas cachorro e boca resultando em latir, ou faca e coração resultando tristeza. Nesse sistema, cada representação é essencial e única, contribuindo para suscitar no espectador sentimentos de uma mesma intensidade.
A semelhança desse modelo com a proposta de Soul Patron é fortíssima, somada aqui à não linearidade e interatividade características dos webdocumentários. O projeto, dividido em 34 cenas, é contemplativo e leva o visitante à construção de um ideograma sobre o Japão, do templo de Kumakuru às ruas de Tokyo e Osaka. Em cada cena, em um total de mais de seis horas de material em vídeo, os usuários podem navegar por detalhes articulando os planos e construindo uma sensação particular.
O projeto é parte do trabalho de conclusão de curso do diretor para a Universidade de Ciências Aplicadas de Darmstadt, Hessen – Alemanha e, portanto, não possui finalidades lucrativas ou comerciais. Com imagens belíssimas e muita sensibilidade, a alta qualidade do webdoc o levou à mostra Doc Lab do Festival Internacional de Documentários de Amsterdã (leia aqui o comentário). Na apresentação, o cineasta Frederik Riechmer deve criar uma versão ao vivo do projeto.
Soul Patron
Produção: Water Moon
Em Inglês