São 23h40 quando o celular toca. Na tela, lê-se apenas “Bloqueado”. Uma voz robótica avisa que você marcou um encontrou com Tina, que está lhe esperando.
Tina é uma das quatro pessoas que viraram personagens de A Journal of Insomnia. O novo, e já premiado, webdocumentário da NFB propõe que seus espectadores compartilhem a insônia dessas pessoas – tanto aqueles quatro, quanto os milhares outros que confessaram sua condição ao longo de um extenso questionário. Só é permitido entrar nesse universo quando as luzes se apagam e todos vão dormir. Nem todos.
Para visualizar o webdoc inteiro, é necessário marcar um encontro, que pode ser desde as 20h até as 5h, por exemplo. Um link será enviado por e-mail, que irá liberar o acesso às histórias de milhares de pessoas que enfrentam o problema. A ligação garante que quem estiver dormindo acorde para o encontro.
O webdoc permite ao espectador chegar o mais próximo possível desse estado de constante alerta. Cada uma das histórias dos personagens é contada por meio de um recurso diferente.
No caso de Tina, há quatro fotografias de locais distintos de sua casa onde ela se encontra, claro, acordada. Cada uma dessas situações conta uma parte de sua relação com a insônia e é possível pular de uma a outra, sem muita relação ou continuidade – assim como a mente divaga entre um pensamento ou outro quando não se consegue dormir.
Os outros personagens são igualmente apresentados de maneira que transmite a sensação de ansiedade e perturbação causada pela insônia, acentuando as histórias contadas. Sarah é retratada de modo semelhante ao de Tina, mas com vídeos que seguem uma estética do VHS dos anos 80.
Cada clique do mouse muda o ângulo sob o qual vemos o bombeiro Francis contando sua história. Quando são mostradas cenas do cotidiano de sua profissão, o clique muda também a cena e os ruídos que compõem seu dia a dia. Já o clique e o passar do mouse no vídeo de Fatiha gera um efeito diferente na imagem, como piscar, inverter, duplicar, gerar múltiplos quadros, etc.
Além desses personagens, é possível entrar um pouco na insônia de milhares outras pessoas que participaram um questionário de mais de 80 perguntas disponíveis desde o segundo semestre do ano passado – ainda é possível participar.
Essas perguntas vão desde “o que o mantém acordado” até “o que você pensa sobre a morte” e podiam ser respondidas por meio do envio de vídeos, textos ou desenhos feitos com o mouse. Essa diversidade gera um cenário em que cada pessoa que o espectador clica ganha uma individualidade, ainda que em muitos casos não se saiba seu nome, idade ou sexo.
As histórias individuais pintam um cenário de um problema coletivo, que se revela no webdoc como algo colocado debaixo do tapete. Grande parte das pessoas que compartilharam sua experiência usava medicamentos para poder dormir. Muitas afirmaram saber que eles não ajudavam.
Embora a intenção dos criadores seja retratar a insônia de maneira sensorial e íntima, não escapa a A Journal of Insomnia um questionamento mais político. É mencionado que 30% das pessoas em países desenvolvidos têm o problema. Um voiceover da mesma voz robótica das ligações, a condutora do webdoc, propõe que os insones se unam para recuperar a noite que lhes pertence, enquanto mensagens escritas mostram como a relação com o tempo foi sendo alterada ao longa da História.
A Journal of Insomnia, que estreou simultaneamente com instalação no Festival de Tribeca, retrata de maneira extremamente sensível, nos múltiplos sentidos dessa palavra, um problema que tem apenas se acentuado nas sociedades, mas que escondido pela privacidade do escuro.
A Journal of Insomnia
Produção: National Film Board (Canadá)
Direção: Bruno Choinière, Philippe Lambert, Guillaume Braun, e Thibaut Duverneix
Distribuição: NFB
Em francês ou inglês. Disponível também com legendas em ambas as línguas.