Junho, longa-metragem produzido pela Folha de S.Paulo, trata, como o nome sugere, da onda de manifestações públicas que agora completa um ano.
Antes de prosseguir, um alerta importante que pode estragar a surpresa. Ou um spoiler, para quem prefere o termo em inglês: Se você já viu o TV Folha (antes exibido na TV Cultura e agora somente na internet), saiba que Junho é um grande TV Folhão. Para o bem e para o mal.
Há em Junho (e na TV Folha) certa inovação quando comparado à estética televisiva padrão. Os posicionamentos de câmera são mais criativos, as imagens das Canon 5D dão profundidade à cena e o uso de drones para as cenas aéreas casou perfeitamente com o tema da cobertura. Ponto para eles.
Mas o mesmo não se pode dizer da narrativa do documentário em si. Não há nada de novo aí. São praticamente 72 minutos de depoimentos. Depoimentos dos manifestantes (muitos), dos policiais (poucos), dos jornalistas que cobriam o evento e dos chamados “especialistas” – filósofos, cientistas políticos etc. Há análises interessantes deste último grupo, mas também nada de muito diferente da enxurrada de interpretações vistas durante e após os eventos.
Além disso, pela seleção de depoimentos que faz, o filme repete alguns conceitos que parecem querer desclassificar a segunda onda de manifestantes, aqueles que foram se juntando às ruas à medida que o movimento crescia, trazendo novas pautas e críticas aos políticos. Eles são classificados como de “direita”, “despolitizados”, “superficiais” e outros adjetivos não muito elogiosos. Podem até ser tudo isso mesmo. Mas, afinal, não têm o direito de se manifestar (desde que, obviamente, defendam o estado democrático e não promovam o ódio ou racismo)? Ou não podem se juntar aos demais para não quebrar o clima cool dos primeiros protestos?
Independentemente de tudo isso, Junho deve ser olhado dentro de um contexto de mudanças da mídia que faz com que se torne bem mais interessante. O longa é um dos frutos de uma série de movimentações feitas pelo veículo para tornar sua produção de conteúdo mais multiplataforma. Enquanto muitos jornais brasileiros se concentram na busca de um modelo de negócios para a “migração” de seus textos para a web, a Folha parece ser a única que de fato olha para o passo seguinte. Mais do que migrar artigos e fotos, é preciso adaptar as narrativas do jornalismo a um mundo em que não há mais fronteiras entre o texto escrito e o conteúdo audiovisual, entre antigos “jornais” e antigas “TVs”, agora todos produtores de conteúdo multimídia.
A nova onda multiplataforma do jornal teve início em 2012, com a estreia do semanal TV Folha na TV Cultura. A emissora estatal paulista ofereceu o espaço a quatro grupos de comunicação vindos do mundo dos impressos. Valor, O Estado de S. Paulo e Veja declinaram do convite. Será que só a Folha viu a oportunidade?
Por dois anos, o TV Folha foi um espaço de experimentação que oxigenou a até então modesta presença dos vídeos no site do jornal. A boa cobertura das manifestações, e por consequência o filme Junho, são frutos diretos dessa experiência.
Além disso, ainda que com atraso, a Folha foi a primeira no Brasil a perceber o fenômeno dos webdocumentários, narrativas digitais que reúnem textos, vídeos, dados e fotos e uma única plataforma integrada. É verdade que tudo parece andar bem coladinho com o que acontece no New York Times – vide as reportagens multimídia aparentemente baseadas no modelo criado pelo jornal americano com o especial Snow Fall (2012). Também o NYT começou antes sua aproximação com o mundo dos documentários, caminho agora seguido pela Folha. Mas isso não tira o mérito das iniciativas.
Ao usar todas as janelas disponíveis – cinema, TV, computador, tablets e celulares – para levar sua mensagem ao público, a Folha dá um passo além da compreensão do novo mundo da comunicação multiplataforma.
Junho
Direção: João Wainer. Brasil, 2014. 72 minutos. Estreia no circuito comercial de cinemas e no iTunes: 5/6/2014. Classificação indicativa: 12 anos. Veja o trailer.
(Por Marcelo Bauer)
Texto publicado originalmente em BlogDoc