O fenômeno que conhecemos hoje como “revolução digital” trouxe uma transformação radical no campo das comunicações. Informações antes agrupadas em complexos sistemas (textos armazenados em papel, fotografias, fitas de áudio, filmes etc…) são hoje convertidas para um sistema único, expresso em unidades binárias (bits), sendo capazes de atravessar o planeta na velocidade da luz por meio de cabos de fibra ótica ou sinais de satélites.
Diante desse fenômeno, produtores e realizadores vão rapidamente encontrando novas oportunidades para o “tratamento criativo da realidade”, segundo a definição clássica de documentário de John Grierson. Uma das tendências que se tem observado em diversas produções é a tentativa realizar uma obra como um registro único e histórico de nosso planeta, contando com o apoio de internautas colaboradores espalhados pelos quatro cantos do globo.
O primeiro projeto com essas características foi comentando em julho aqui no webdocumentário: trata-se de Life in a Day, realizado em parceria com o site de vídeos Youtube. O projeto propunha aos usuários do canal que registrassem atividades ou depoimentos quaisquer no dia 24 de julho, e esse material seria organizado em um filme longa-metragem. O projeto está em fase de execução e a estreia segue prometida para o festival de Sundance, em janeiro.
A mostra Doc Lab do festival internacional de documentários de Amsterdã, dedicada a novas formas narrativas para o gênero (leia o comentário aqui), deve, entretanto, antecipar o fenômeno para novembro, exibindo um projeto com uma proposta parecida. One Day on Earth também quer criar um registro aberto da humanidade baseando-se em vídeos realizados em dias específicos: o primeiro convite para as gravações coletivas foi marcado para o dia 10/10/2010.
Ambos os projetos lançarão tanto uma versão tradicional em filme quanto uma na web. Se Life in a Day deve se apoiar nos suportes já consolidados do Youtube, One Day on Earth terá o desafio de desenvolver uma plataforma própria, capaz de atender a suas próprias propostas, que incluem a organização do material em grupos e a capacidade de discutir, compartilhar e inspirar soluções sobre questões específicas.
A mostra Doc Lab traz também um segundo projeto realizado de forma colaborativa por todo o planeta: Eight Billion Lives. A intenção desse último, entretanto, é menos fazer um registro visual de nossas vidas, mas celebrar e compartilhar aspectos da diversidade humana. O projeto, em vez de receber o material de colaboradores para posteriormente montar e organizar de determinada forma, seleciona primeiramente realizadores de filmes independentes ou amadores para se tornarem correspondentes.
Embora esse projeto também acredite no potencial narrativo do formato “a vida num dia”, nesse caso o dia retratado não é fragmentando espacialmente em um filme ou plataforma única, organizados pelos autores do projeto. Eight Billion Lives propõe que cada correspondente monte um vídeo próprio, cobrindo os momentos de seu dia (manhã, tarde e noite) a partir de seis determinados aspectos (atividade recreativa, atividade profissional, preparação de uma refeição, filmagem junto à uma criança, interagindo com outra pessoa ou discutindo objetivos e sonhos). Nesse projeto, é o espectador quem faz suas comparações e tira suas conclusões, enquanto navega pelos diferentes filmes sobre a vida de cada correspondente.
Com o crescente acesso às tecnologias, praticamente qualquer um pode se tornar um correspondente desses projetos. O aumento da velocidade de banda e a popularização do vídeo são fenômenos que certamente transformarão a maneira como representamos e compreendemos nossa realidade.
Felizmente, em meio a diversos conteúdos frágeis e descomprometidos que circulam na rede, pouco a pouco a internet consolida um campo sólido para o documentário. Um campo em que o espectador é convidado ao debate, podendo interagir com os vídeos e anexar comentários e conteúdos próprios. O documentário se transforma, e os festivais de cinema cedem espaço para essa tendência.